Hoje o Bigviagem traz para vocês mais um artigo colaboração de Pedro B. que novamente nos leva a uma grande viagem emocional e também imaginária. Sem dúvida que vos levará a dedicar algumas horas do seu dia a pensar sobre qual a sua opinião acerca dos mínimos denominadores comuns de uma cidade. Eu ainda estou cá a pensar nos meus! 😉
Os mínimos denominadores comuns de uma cidade
Do nosso espólio de memórias de viagens sobram sempre recordações especiais, sejam elas positivas ou negativas. Este processo de arquivo e recoleção é um processo involuntário e funciona muitas vezes ancorado no nosso estado de espírito. Embora o nosso cérebro tenha capacidade de gravar praticamente todos os momentos que vivemos, a nossa capacidade de processamento não é suficiente para acompanhar esta incrível proeza, gerando-se então um processo de eliminação e seleção que dá origem àquilo que chamamos de memória, ou à falta dela.
Reconhecer e pensar nesta mecânica quando estamos a viajar não serve de nada, pois no momento da viagem estamos a receber, em bruto, uma quantidade enorme de estímulos, cuja conversão momentânea apenas nos serve para gerar momentos de prazer, de alegria, de terror, de amor, de medo, de uma série de estados de alma que cumprem a função de nos munir de ferramentas para gerir aquele momento.
Mas o momento seguinte também é muito interessante, pois, imediatamente antes acumulamos uma nova experiência que muitas vezes nos vai ditar, de uma forma voluntária, mas, principalmente, de uma forma involuntária, como vamos reagir a outras situações que se nos deparam. Pensar neste processo e tentar descodificá-lo é extremamente cansativo e improdutivo. Tentar perceber os seus rudimentos pode ser interessante para potenciarmos momentos e quem sabe, conseguirmos contrariar ou influenciar, o processo involuntário de recolha de memórias.
Mas as coisas tornam-se verdadeiramente interessantes, quando concluímos uma viagem, regressamos a casa e fechamos um determinado processo. A partir deste momento, as recordações desta viagem formam-se e passam a fazer parte integrante da nossa vida, da nossa personalidade. A minha pessoa passa a ser uma pessoa diferente em função da recordação das experiências vividas durante uma determinada viagem. Por exemplo, quando visitei Nova York em 2000, atravessei a ponte de Brooklyn à noite, a pé. Embora, hoje em dia, milhares de turistas usufruam, a todas as horas, deste maravilhoso ícone de Nova York, na altura em que o fiz, ninguém se atrevia a tentar esta “proeza”, por inúmeras razões ligadas, principalmente, à segurança. Nas minhas descrições desta viagem, inclui sempre este “feito” e os meus interlocutores abriam a boca de espanto em consequência desta ousadia. Esta ousadia conferiu-me novas características de personalidade junto dos meus amigos.
Estes “pequenos nadas” ganham uma importância desmedida quando pensamos neles e podem determinar, por exemplo, se conquisto uma pessoa ou não, se estendo uma conversa, se sou convidado para prolongar um determinado momento. E em consequência disso mesmo, a minha auto-estima vai sendo consolidada e formada, levando-me a que seja uma melhor ou pior pessoa, mas definitivamente diferente do que era há momentos atrás.
Por isso interessa, de alguma forma, investir em momentos que, de facto, possam contribuir para que uma determinada viagem, uma determinada experiência, sejam benéficas para a minha pessoa. Arrisco-me a chamar a este processo qualquer coisa como “potenciação do momento”. E para estarmos preparados para identificarmos este momento, temos que saber dosear bem os “imputs” emocionais e racionais. Emocionais serão aqueles que são condicionados pelo momento, ou seja, carecem de qualquer programação ou previsão. Os “imputs” racionais serão aqueles que estão pensados à partida, que nos preparamos para eles e cujo decorrer da experiência depende mais de nós próprios do que das variáveis associadas.
Nada poderemos fazer quanto aos emocionais, nem devemos, mas quanto aos racionais podemos, certamente, meter a nossa “colherada”. A sistematização e a aprendizagem deste processo racional iniciaram-se em mim, aquando da primeira vez que visitei Londres. A viagem de avião tinha corrido muito mal, pois os voos atrasaram-se mais de 5 horas no aeroporto de Lisboa. Como se não bastasse, levei mais de 2 horas a recuperar as bagagens em Heathrow. Apanhei o metro para o centro de Londres e quando saí, carregado de malas, na estação de metro indicada, estava a chover e, claro, não encontrei o hotel. Levei mais de 1 hora a andar a pé até encontrar o hotel, que era francamente mau, feio e cheio de empregados mal dispostos.
Coloquei as infernais e pesadas malas no quarto e saí para jantar num restaurante ali perto. Estava cansado, saturado e com uma péssima impressão da cidade e dos seus habitantes. Como se não bastasse, o restaurante que escolhi foi palco de uma operação policial de grandes dimensões. Juntei o medo ao meu portfolio de sensações londrinas. Fugi dali e encontrei um extraordinário restaurante que me serviu um prato que não me lembro (lá está o tal processo seletivo de memória) e pude, finalmente, contemplar aquela cidade em paz e de barriga acomodada. No meio daquele momento de conforto não me consegui conetar com Londres, até ao momento em que ouvi uma sirene de ambulância. Ao ouvir esta sirene involuntariamente descansei a minha consciência, pois estava numa grande metrópole. Aquela sirene foi o meu “wake up call”. A partir daquele momento só guardo boas recordações de Londres.
O som da sirene das ambulâncias passou a ser um dos meus denominadores comuns a qualquer cidade. Quando os ouço, descanso pois tenho a certeza que estou numa cidade a sério, numa cidade que vai de encontro às minhas expetativas. É estranho, não é? Por isso é que é involuntário. Mas este é um processo muito próprio e que só a mim diz respeito. Houve ali, em Londres, qualquer processo que se desencadeou em mim que passei a comparar sirenes de ambulância a momentos de conforto urbano. Não parece muito saudável, é certo, mas, para mim, é inultrapassável. Na verdade preferia infinitamente mais que estes meus denominadores comuns de uma cidade estivessem ligados, por exemplo, a estilos arquitetónicos, ou à botânica, ou mesmo a um determinado clima social. Mas não estão. Estão ligados a sirenes de ambulâncias. Que grande partida que a minha consciência me pregou.
Lanço-lhe o desafio, caro leitor, de tentar descobrir os seus próprios mínimos denominadores comuns de uma cidade. É um processo interessante e tenho a certeza que irá gostar de o fazer. Se quiser partilhe com todos os outros leitores do Bigviagem. Iremos descobrir coisas interessantíssimas e despoletar ligações nos nossos processos mentais que julgávamos impossíveis.
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