
No Espírito Santo, a história não está apenas nos livros. Ela aparece entre frestas de muros de pedra, na base corroída de uma torre esquecida, em vitrais que filtram o sol como se cada cor tivesse memória. A arquitetura colonial capixaba é, ao mesmo tempo, documento e metáfora: feita de cal, óleo de baleia, promessas não cumpridas e persistência.
Ao contrário dos grandes centros históricos como Salvador ou Ouro Preto, o Espírito Santo preserva seus marcos sem tanto alarde — e talvez por isso mesmo seja mais fácil esquecer o quanto eles dizem sobre o país. A seguir, sete lugares que contam essa história silenciosa, mas essencial.
1. No alto do morro, o convento que virou mirante de fé
Todo capixaba sabe apontar o Convento da Penha no horizonte. Suspenso a 154 metros do chão, ele é quase sempre a primeira construção visível ao chegar à baía de Vitória. Fundado em 1558, foi capela, refúgio, posto de vigia contra corsários, centro de romarias — e continua sendo tudo isso.
O Iphan tombou o conjunto em 1943, mas sua força simbólica não vem só do papel histórico. É também pela imagem de Nossa Senhora da Penha esculpida em cedro, pelos fiéis que sobem de joelhos, pelo vento que sopra de todos os lados. É um monumento vivo.
2. A igreja que resistiu ao esquecimento
Um pouco abaixo, na Prainha, fica a Igreja do Rosário. Construída em 1551, tem nave única, paredes de taipa de pilão e um sino solitário. Mas o que chama atenção não é o que ela tem — e sim o que ela representa.
Ali foram celebrados casamentos de pessoas negras, indígenas e libertas. Num tempo em que a religião era usada para submeter, a pequena igreja foi espaço de acolhimento e resistência. Ela sobreviveu às enchentes, às reformas e ao silêncio.
3. O palácio onde o passado se acumula em camadas
Do outro lado da baía, o Palácio Anchieta parece engolido pelo movimento da cidade. Mas dentro dele há uma calma antiga: paredes grossas, corredores que mudaram de função, um claustro que virou salão.
Construído entre 1570 e 1587 como colégio jesuíta, virou sede do governo em 1759. A tumba de José de Anchieta está ali — e também inscrições mouriscas encontradas em escavações recentes. O prédio é uma espécie de palimpsesto de pedra, onde cada camada conta uma versão do Espírito Santo.
4. Uma catedral em construção permanente
A Catedral de Vitória levou 50 anos para ficar pronta. Começou em 1920, parou por falta de verba, retomou nos anos 40 e só terminou em 1970. Hoje, ergue-se com torres de 51 metros, vitrais coloridos e um estilo neogótico que parece desafiar o calor tropical.
Por trás da imponência, há improviso: os vitrais foram feitos em São Paulo por um ateliê que usava vidro importado da Itália. A igreja é como a cidade — feita de revisões, adaptações e esperança acumulada.
5. Um forte, dez canhões e muita história
O Forte São Francisco Xavier da Barra, construído em 1702 na entrada do canal de Vitória, não tem a fama de outros fortes do país. Mas suas paredes de cantaria e terra vegetal protegeram a cidade de holandeses e corsários.
Hoje, pertence ao Exército e passa por um projeto de revitalização com apoio de uma empresa privada. A ideia é abrir ao público, instalar um centro de interpretação e mostrar que a defesa da memória também pode ser uma forma de proteção.
6. Um farol de ferro que ainda acende
O Farol de Santa Luzia veio desmontado da Escócia em 1871 e foi montado ali, de frente pro mar. Tem 14 metros de altura, formato octogonal e lente Fresnel. Hoje, com luz eletrificada, alcança até 62 km de distância.
Mais do que guiar navios, o farol passou a ser cenário: de fotos, de casamentos, de contemplação. Tornou-se ponto turístico, mas não perdeu sua função original. Como muitos marcos históricos, ele se adaptou para continuar relevante.
7. Uma ruína com paredes de promessas
No norte do estado, às margens do rio Cricaré, ficam as ruínas da Igreja Velha de São Mateus. Começada no século XIX por jesuítas, a obra foi interrompida em 1853 porque a Câmara local achou o gasto alto demais.
Só sobraram parte das paredes e da base da torre frontal. Mas o lugar virou ponto de visita, protegido por gradis, e hoje serve de sala de aula a céu aberto para professores, alunos e curiosos. Uma igreja que nunca foi concluída, mas que continua ensinando.
Preservar é mais que pintar fachada
A conservação desses monumentos não é só uma questão de aparência. É sobre o que deixamos para trás quando asfaltamos sem escavar, quando restauramos sem estudar. Em 2023, o Iphan embargou obras no Parque da Prainha porque o projeto ignorava normas de proteção.
Ao mesmo tempo, parcerias como a que revitaliza o Forte da Barra mostram que o setor privado pode ajudar — desde que com responsabilidade técnica e arqueológica. Patrimônio não se trata apenas de passado, mas de presente e futuro.
E o que isso tem a ver com você?
Se você nasceu no Espírito Santo, provavelmente já subiu ao Convento da Penha ou tirou foto no farol. Se não nasceu, talvez nem saiba que ali estão algumas das construções mais antigas do país ainda em uso.
Preservar esse conjunto é investir em turismo, identidade, educação. É permitir que crianças caminhem sobre os mesmos paralelepípedos dos colonos, dos jesuítas, dos soldados e dos que resistiram. É dar sentido a palavras como “memória coletiva” e “patrimônio vivo”.
A história do Espírito Santo não está só nos livros — está no chão, nas esquinas, nas igrejas de taipa e nos canhões enferrujados. E ainda tem muito a dizer.
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