Hoje o Bigviagem traz para vocês mais um brilhante artigo escrito por Pedro B., para mim um texto que a princípio me parecia um mero artigo sobre viagens de navio, mas que ao meio já me fazia sentir-me encantada e inebriada por tratar-se de um ode a vida.
Simplesmente único e que sem dúvida vai vos servir de inspiração para a próxima viagem! Vamos viajar na imaginação?
Cruzeiros, o que ocorre numa viagem assim e quais as “diversões” que terei num navio?
Começo este artigo por vos dizer que o grau de percepção sobre as diversões durante um cruzeiro é inversamente proporcional à idade, ou seja, à medida que vamos envelhecendo, vamos encontrando mais motivos para fazer um cruzeiro. Falo por experiência própria. Esta regra não existe. É apenas uma sensação que faz parte das minhas coleções particulares de sensações.
Deixem-me contar-vos de uma forma muito breve a minha relação com os cruzeiros. Na infância foi um dos meus grandes objetivos: Piscinas, lojas e uma data de coisas brilhantes e luminosas que nos atraem a atenção e fazem-nos crer que esta é a melhor forma de se viajar e passar férias. Na adolescência, junte-se ainda a possibilidade de uma paixão fugaz a bordo e o pacote continua a ser atrativo e muito apetecível. Chegamos à idade adulta e a nossa perceção faz uma volta de 180 graus. Cruzeiros? Nem vê-los! Ficar fechado sem possibilidade de sair e bombardeado constantemente com obuses kitsch e ultrapassados? O pior pesadelo possível. Não definitivamente não! Passamos os 30 anos e mantemos a mesma opinião, mas agravada pelo fato que, ainda seremos obrigados a socializar de acordo com as regras próprias de um cruzeiro, pois já perdemos aquela irreverência própria dos 20 anos e que só fica mesmo bem aos 20 anos. Até aqui nunca tinha experimentado um cruzeiro.
Fui obrigado a experimentar o meu primeiro e único cruzeiro aos 31 anos quando viajei para o Egipto. Fui obrigado, porque já tinha feito mais de 5.000 km nos transportes públicos daquele país, tinha dormido em espeluncas inacreditáveis e já tinha evitado cerca de 10 intoxicações alimentares. Estava a precisar de algum luxo para me recompor para a minha última etapa. E assim, um pouco a contragosto, aceitei a sugestão dos meus companheiros de viagem, para navegamos no Nilo, em direção à fabulosa cidade de Luxor. Naquele momento estava no sul do Egipto, perto da barragem de Assuão e entrei a bordo de um dos famosos cruzeiros do Nilo. Levaria 2 noites e 3 dias até chegar a Luxor. No íntimo, desejava e sabia que estava mesmo a precisar daquele descanso, mas nunca me desmanchei para os meus companheiros, criticando os cruzeiros e fazendo troça de todo o universo associado a esta forma de viajar.
Foram 3 dias e 2 noites maravilhosas. Descansei, comi muito bem e experimentei sensações únicas, como sentir-me no meio do deserto. Foi incrivelmente revigorante e guardo ótimas recordações daquela viagem. O tempo num cruzeiro processa-se de forma diferente. Temos tempo de sobra para gerir e isso agradou-me. Consegui pôr a minha leitura em dia. Li páginas e páginas seguidas com o deserto em pano de fundo e quando o barco desligava os motores, pude experienciar o silêncio do deserto, que é magnífico.
Descansei verdadeiramente, falei de trivialidades com os meus companheiros, ri-me a bandeiras despregadas e visitei monumentos espantosos ao longo do trajeto. Mas desta vez não estava cansado, nem sujo de pó, nem esbaforido em calor. Estava cheio de energia e com uma capacidade de absorção de informação muito maior. Desfrutei muito mais daquelas maravilhas do Egipto antigo, porque, simplesmente, não me tinha de preocupar como voltar ou seguir em frente. Bastava ouvir o apito do barco sinalizando a sua saída dentro de meia hora.
Aquela viagem transtornou-me, porque destruiu um pouco a imagem que tinha formado acerca dos cruzeiros. Bom, convenhamos que as festas a bordo em que somos obrigados a conviver com os outros passageiros, e com o comandante, arrepiam-me e não me atraem nada. Nem subir a um palco em que realçam as minhas características enquanto turista português para a risada geral de quem assiste, nem sequer as brincadeiras da tripulação ou as aulas de hidroginástica ministradas por um “personal trainer” com um sorriso que não encaixa com a cara e um microfone que lhe nasceu da orelha.
Mas a serenidade que me foi imposta em todos os outros momentos compensou todos estes contratempos para a minha pessoa. Repito, para a minha pessoa, porque, na verdade, estes momentos têm sentido existir a bordo de um cruzeiro. E, na verdade, não são obrigatórios nos dias que correm. Ninguém me chateou ou perseguiu para ser parte integrante destes momentos.
E cheguei aos 40 com uma nova sensação. Bem lá no fundo, eu desejo fazer um cruzeiro. E pode ser daqueles muito pirosos. Não me importo. Quero recuperar aquela paz que vivenciei quando subia o Nilo e ter a possibilidade de contemplar a paisagem totalmente concentrado naquele momento. Quero por a minha leitura em dia. Gostava de reler o Corto Maltese do Hugo Pratt a bordo de um cruzeiro, ou os livros de viagem da Jan Morris sobre Veneza e Hav, esse país imaginado e verosímil. Gostava de ter tempo para combinar e pregar partidas aos meus amigos que me acompanhassem nessa viagem e experimentar todos os cocktails que o barman me conseguisse mostrar.
Gostava de ouvir o sussurrar do João Gilberto e do Chet Baker a sobrepor-se à ondulação, ou o requiem de Mozart em noite de tempestade. Gostava de ter tempo para frequentar o ginásio e recuperar a minha forma física, só porque tenho tempo para isso e também para fazer saunas e banhos turcos. Gostava de ter tempo para ler e reler os guias de viagem e assim poder preparar muito bem a minha próxima paragem. E de conhecer novas pessoas com vontade de me conhecer e de me divertir e dançar sem preocupação do dia seguinte.
Gostava de ter tempo para finalmente devorar “Em busca do tempo perdido” de Marcel Proust e gostaria de muito mais coisas só porque ali não teria qualquer desculpa para não as fazer.
Ainda não me sentiria atraído pela parte social que, normalmente, um cruzeiro nos proporciona. Mas ainda não cheguei aos cinquenta…
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